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domingo, 25 de dezembro de 2011

Desempenho e eficiência do motor aeronáutico a pistão

Os motores a pistão de quatro tempos, utilizados nas aeronaves leves atuais, foram inventados há 135 atrás, em 1876. Antes da introdução dos motores a reação, entre as décadas de 1940 e 1950, esses motores predominavam também na aviação militar e na aviação comercial.
Motor Continental IO-520
O motor ciclo Otto, de quatro tempos, em princípio, parece um verdadeiro trambolho tecnológico. Embora aperfeiçoado, é basicamente o mesmo motor de mais de um século atrás, mas continua a ser utilizado na grande maioria dos automóveis e aeronaves leves atuais. Por que?

Para utilização aeronáutica, o motor deve ter vários requisitos essenciais. Deve ser eficiente, de baixo custo, econômico em relação ao consumo de combustível e de despesas de manutenção, confiável, durável e capaz de produzir grande potência em relação ao seu peso.

No entanto, os motores a pistão não são, de forma alguma, máquinas eficientes, pois raramente conseguem converter mais de 25 por cento da energia contida no combustível em energia mecânica. Se comparado com um motor elétrico, por exemplo, que consegue converter quase 90 por cento da energia elétrica que consomem em energia mecânica, o motor a pistão é um grande desperdiçador de energia.

O motor a pistão funciona pela expansão dos gases produzidos na queima de um combustível, convertendo assim energia química em térmica, pela combustão, e energia térmica em energia mecânica, pela expansão dos gases.

Caso não houvesse perdas nesse processo, toda a energia química contida no combustível seria convertida em energia mecânica. Mas não é isso o que acontece. A potência que poderia ser obtida pelo motor, pela queima do combustível, sem nenhuma perda, é denominada potência teórica, e é impossível de se obter, na prática.

Para começar, nenhuma queima é realmente completa, algum combustível não queimado sempre vai restar nos gases de escapamento. Em segundo lugar, grande parte da energia térmica produzida pela queima simplesmente não vai ser convertida em energia mecânica. Por fim, grande parte da energia mecânica produzida vai ser novamente convertida em energia térmica pelo atrito interno no motor, ou consumida pelo próprio motor para acionar diversos acessórios, indispensáveis ao seu funcionamento.
A energia mecânica da expansão dos gases pode ser calculada, constituindo-se na chamada potência indicada. A fórmula simplificada para esse cálculo está abaixo:

Potência Indicada = (P x L x A x N x K)
                                           33.000

Onde:

P = Pressão efetiva média indicada, em PSI;
L = Comprimento do curso do pistão, em pés ou fração;
A = Área da cabeça do pistão ou da seção reta do cilindro, em polegada quadrada;
N = Número de tempos de potência por minuto, ou seja, a RPM dividida por 2 (há um tempo motor a cada 2 voltas do eixo de manivelas);
K = Número de cilindros.

Na fórmula acima, a área do pistão multiplicada pela pressão efetiva média indicada dá a força, em libras-força, que é aplicada sobre o pistão que, multiplicada pelo curso, em pés, dá o trabalho desenvolvido em um tempo de potência, em libras.pé, o qual, por sua vez, multiplicado pelo número de tempos de potência em um minuto, nos dá a potência produzida pela expansão dos gases.
Motor Bristol Hydra, raro motor radial de 16 cilindros
Uma vez que um HP é definido como sendo a potência produzida por 33.000 libras-pé por minuto, o total de libras.pé de trabalho produzido pelos cilindros do motor deve ser dividido por 33.000 para se obter a potência indicada, em HP.

Até aí, portanto, conseguimos obter a potência da conversão de energia térmica em mecânica dentro do motor. Sem contar que boa parte do combustível não foi queimada, temos que considerar que grande parte da energia térmica produzida não se converte em energia mecânica, e que mesmo a energia mecânica dos gases expandidos não é totalmente aproveitada. Daí, pode-se deduzir que grande parte da potência teórica, entre 40 e 45 por cento, será simplesmente jogada fora, através dos gases quentes do escapamento.

A potência indicada, por sua vez, também não é totalmente aproveitada, já que uma parte dela vai ser consumida para vencer os atritos internos e para acionar acessórios, como comandos de válvulas, bombas de óleo e de combustível, magnetos, geradores e outros dispositivos.

Motor Lycoming IO-540
A potência que se consegue obter no eixo da hélice, também conhecida como potência efetiva, é medidA experimentalmente por dispositivos denominados dinamômetros. Ao se usar um dinamômetro, se obtém o torque, uma grandez vetorial da física que significa uma força multiplicada pela braço de alavanca, para fazer girar um eixo. O cálculo da potência efetiva é então definido pela fórmula:
Potência Efetiva = 2 x π x RPM
                                 33.000

Portanto, depois de se conhecer tais cálculos, pode-se imaginar meios de aumentar a potência, a economia, ou os dois fatores juntos, o que resultaria em melhor eficiência, uma tarefa nada fácil.

Na maior parte das vezes, aumentar a potência do motor vai resultar em maior consumo de combustível, o qual é desproporcional, resultando quase sempre em piora da eficiência à medida em que se aumenta a potência.
O principal fator determinante da potência, em um motor aeronáutico, é a cilindrada, que pode afetar nada menos que três variáveis da fórmula do cálculo da potência indicada (L, A, K). É um fator tão importante que a maioria dos motores aeronáuticos é designada por sua cilindrada, em polegadas cúbicas.
Motor Ranger L440, de seis cilindros
Para aumentar a cilindrada, pode-se aumentar o diâmetro dos cilindros, aumentar o curso ou aumentar o número de cilindros. Qualquer um desses fatores, no entanto, tende a aumentar o peso e o tamanho do motor, ou a sua complexidade, caso se aumente o número de cilindros. Deve-se notar que cilindros pequenos são mais eficientes que os grandes.
Motor Pratt & Whitney R4360, de 28 cilindros
Para se aumentar a pressão efetiva média, pode aumentar a pressão de entrada, utilizando-se compressores (blowers) ou turbocompressores. Outra solução é aumentar o número de válvulas, ou o tempo de abertura delas, para admitir mais ar dentro do motor. Essas soluções, no entanto, têm a tendência de reduzir o torque em baixas rotações,  e pode tornar a marcha lenta do motor irregular, pela mistura entre gases de escapamento e ar/mistura de admissão.

Por fim, resta o recurso de aumentar a velocidade do motor, solução muito utilizada em motocicletas, por exemplo, mas que é inconveniente para os motores aeronáuticos, por necessitar de uma pesada caixa de redução para acionar a hélice, que tem limitações aerodinâmicas de velocidade.

Dentre as poucas soluções imaginadas para reduzir a perda de potência pelo escapamento, que drena mais de 40 por cento da potência que um motor poderia produzir, estão os "Turbo Compounds". Esses dispositivos consistem em turbinas, acionadas pelos gases do escapamento, que são acopladas ao eixo de manivelas por um conversor de torque hidráulico. Tal dispositivo pode realmente aumentar a potência do motor, sem aumentar o consumo de combustível, recuperando a potência perdida no escapamento.
Motor Wright R3350TC, com um dos Turbo Compound em primeiro plano
Os Turbo-Compound, quando foram introduzidos nos motores aeronáuticos Wright R3350 TC, causaram muitos problemas, no entanto. Esses motores foram utilizados nos últimos grandes aviões comerciais de motor a pistão, os Lockheed Super Constellation e Douglas DC-7, mas a tecnologia de materiais da época não era adequada ao uso de tais dispositivos, que muitas vezes falhavam catastroficamente, geralmente por superaquecimento. Foram praticamente abandonados, em favor do uso de motores a reação, e só recentemente os Turbo Compound voltaram a ser utilizados, não em motores aeronáuticos, mas sim em motores a diesel de caminhão.
Para demonstrar as perdas de potência em um motor a pistão turbocomprimido, vamos utilizar como exemplo um dos mais eficientes motores já construídos, o Rolls-Royce Merlin da década de 1940. A despeito de ser antigo, tal motor é considerado muito eficiente até mesmo pelos padrões de hoje:
Motor Rolls-Royce Merlin
Energia química do combustível (potência teórica): 5.410 HP;

Perdas:

1) Pelo escapamento: 2.790 HP (51,6%), sendo 2540 HP (47%) perdidos sob a forma de calor e energia mecânica, e 250 HP (4,6%) de energia química desperdiçada por produção de metano e monóxido de carbono pela combustão incompleta;

2) Perdas de calor da queima através do cilindro, absorvidas pelo sistema de refrigeração e pelo óleo, ou perdidas por irradiação direta: 660 HP (17,2%);

3) Potência absorvida pelo supercharger: 60 HP (1,1%);

4) Perdas mecânicas por atrito (reconversão de energia mecânica em térmica), ou para acionamento de acessórios: 300 HP (5,6%);

Potência efetiva, medida no eixo da hélice: 1.600 HP (29,6%)

A potência efetiva, ao se converter em tração, ainda sofre perdas, por atrito, viscosidade do ar e compressibilidade na hélice, equivalentes a cerca de 20 por cento da potência efetiva nas melhores hélices. No nosso exemplo, a potência útil ou tratora equivaleria a 1.280 HP.

Os cálculos acima foram feitos para a gasolina efetivamente queimada, não considerando, portanto, o combustível que entrou no motor e não foi consumido. Quando se usa mistura rica, há grande aumento de consumo, e mesmo com o uso de mistura pobre, uma certa quantidade de gasolina não será queimada.

Mesmo considerando a baixa eficiência dos motores a pistão, esses são bem mais eficientes que os motores a reação. Como os altamente eficientes, mas pesados, motores elétricos ainda não são praticáveis na aviação, exceto para algumas pesquisas experimentais, o motor a pistão ainda é a melhor opção para as aeronaves leves.

Vale dizer que os motores de ciclo Diesel são mais eficientes que os motores ciclo Otto,  e devem ser uma boa opção para se equipar a aviação leve, no futuro próximo.
 
Fonte:Cultura Aeronáutica

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