Os motores a pistão de quatro tempos,
utilizados nas aeronaves leves atuais, foram inventados há 135 atrás, em
1876. Antes da introdução dos motores a reação, entre as décadas de
1940 e 1950, esses motores predominavam também na aviação militar e na
aviação comercial.
Motor Continental IO-520 |
O motor ciclo Otto, de
quatro tempos, em princípio, parece um verdadeiro trambolho
tecnológico. Embora aperfeiçoado, é basicamente o mesmo motor de mais de
um século atrás, mas continua a ser utilizado na grande maioria dos
automóveis e aeronaves leves atuais. Por que?
Para utilização aeronáutica, o
motor deve ter vários requisitos essenciais. Deve ser eficiente, de
baixo custo, econômico em relação ao consumo de combustível e de
despesas de manutenção, confiável, durável e capaz de produzir grande
potência em relação ao seu peso.
No entanto, os motores a pistão
não são, de forma alguma, máquinas eficientes, pois raramente conseguem
converter mais de 25 por cento da energia contida no combustível em
energia mecânica. Se comparado com um motor elétrico, por exemplo, que
consegue converter quase 90 por cento da energia elétrica que consomem
em energia mecânica, o motor a pistão é um grande desperdiçador de
energia.
O motor a pistão funciona pela
expansão dos gases produzidos na queima de um combustível, convertendo
assim energia química em térmica, pela combustão, e energia térmica em
energia mecânica, pela expansão dos gases.
Caso não houvesse perdas nesse
processo, toda a energia química contida no combustível seria convertida
em energia mecânica. Mas não é isso o que acontece. A potência que
poderia ser obtida pelo motor, pela queima do combustível, sem nenhuma
perda, é denominada potência teórica, e é impossível de se obter, na
prática.
Para começar, nenhuma queima é
realmente completa, algum combustível não queimado sempre vai restar nos
gases de escapamento. Em segundo lugar, grande parte da energia térmica
produzida pela queima simplesmente não vai ser convertida em energia
mecânica. Por fim, grande parte da energia mecânica produzida vai ser
novamente convertida em energia térmica pelo atrito interno no motor, ou
consumida pelo próprio motor para acionar diversos acessórios,
indispensáveis ao seu funcionamento.
A
energia mecânica da expansão dos gases pode ser calculada,
constituindo-se na chamada potência indicada. A fórmula simplificada
para esse cálculo está abaixo:
Potência Indicada = (P x L x A x N x K)
33.000
Onde:
P = Pressão efetiva média indicada, em PSI;
L = Comprimento do curso do pistão, em pés ou fração;
A = Área da cabeça do pistão ou da seção reta do cilindro, em polegada quadrada;
N
= Número de tempos de potência por minuto, ou seja, a RPM dividida por 2
(há um tempo motor a cada 2 voltas do eixo de manivelas);
K = Número de cilindros.
Na fórmula acima, a área do
pistão multiplicada pela pressão efetiva média indicada dá a força, em
libras-força, que é aplicada sobre o pistão que, multiplicada pelo
curso, em pés, dá o trabalho desenvolvido em um tempo de potência, em
libras.pé, o qual, por sua vez, multiplicado pelo número de tempos de
potência em um minuto, nos dá a potência produzida pela expansão dos
gases.
Motor Bristol Hydra, raro motor radial de 16 cilindros |
Uma
vez que um HP é definido como sendo a potência produzida por 33.000
libras-pé por minuto, o total de libras.pé de trabalho produzido pelos
cilindros do motor deve ser dividido por 33.000 para se obter a potência
indicada, em HP.
Até aí, portanto, conseguimos
obter a potência da conversão de energia térmica em mecânica dentro do
motor. Sem contar que boa parte do combustível não foi queimada, temos
que considerar que grande parte da energia térmica produzida não se
converte em energia mecânica, e que mesmo a energia mecânica dos gases
expandidos não é totalmente aproveitada. Daí, pode-se deduzir que grande
parte da potência teórica, entre 40 e 45 por cento, será simplesmente
jogada fora, através dos gases quentes do escapamento.
A potência indicada, por sua
vez, também não é totalmente aproveitada, já que uma parte dela vai ser
consumida para vencer os atritos internos e para acionar acessórios,
como comandos de válvulas, bombas de óleo e de combustível, magnetos,
geradores e outros dispositivos.
Motor Lycoming IO-540 |
A potência que se
consegue obter no eixo da hélice, também conhecida como potência
efetiva, é medidA experimentalmente por dispositivos denominados
dinamômetros. Ao se usar um dinamômetro, se obtém o torque, uma grandez
vetorial da física que significa uma força multiplicada pela braço de
alavanca, para fazer girar um eixo. O cálculo da potência efetiva é
então definido pela fórmula:
Potência Efetiva = 2 x π x RPM
33.000
Portanto, depois de se conhecer
tais cálculos, pode-se imaginar meios de aumentar a potência, a
economia, ou os dois fatores juntos, o que resultaria em melhor
eficiência, uma tarefa nada fácil.
Na maior parte das vezes,
aumentar a potência do motor vai resultar em maior consumo de
combustível, o qual é desproporcional, resultando quase sempre em piora
da eficiência à medida em que se aumenta a potência.
O
principal fator determinante da potência, em um motor aeronáutico, é a
cilindrada, que pode afetar nada menos que três variáveis da fórmula do
cálculo da potência indicada (L, A, K). É um fator tão importante que a
maioria dos motores aeronáuticos é designada por sua cilindrada, em
polegadas cúbicas.
Motor Ranger L440, de seis cilindros |
Para
aumentar a cilindrada, pode-se aumentar o diâmetro dos cilindros,
aumentar o curso ou aumentar o número de cilindros. Qualquer um desses
fatores, no entanto, tende a aumentar o peso e o tamanho do motor, ou a
sua complexidade, caso se aumente o número de cilindros. Deve-se notar
que cilindros pequenos são mais eficientes que os grandes.
Motor Pratt & Whitney R4360, de 28 cilindros |
Para se aumentar a pressão efetiva média, pode aumentar a pressão de entrada, utilizando-se compressores (blowers)
ou turbocompressores. Outra solução é aumentar o número de válvulas, ou
o tempo de abertura delas, para admitir mais ar dentro do motor. Essas
soluções, no entanto, têm a tendência de reduzir o torque em baixas
rotações, e pode tornar a marcha lenta do motor irregular, pela mistura
entre gases de escapamento e ar/mistura de admissão.
Por fim, resta o recurso de
aumentar a velocidade do motor, solução muito utilizada em motocicletas,
por exemplo, mas que é inconveniente para os motores aeronáuticos, por
necessitar de uma pesada caixa de redução para acionar a hélice, que tem
limitações aerodinâmicas de velocidade.
Dentre as poucas soluções
imaginadas para reduzir a perda de potência pelo escapamento, que drena
mais de 40 por cento da potência que um motor poderia produzir, estão os
"Turbo Compounds". Esses dispositivos consistem em turbinas, acionadas
pelos gases do escapamento, que são acopladas ao eixo de manivelas por
um conversor de torque hidráulico. Tal dispositivo pode realmente
aumentar a potência do motor, sem aumentar o consumo de combustível,
recuperando a potência perdida no escapamento.
Motor Wright R3350TC, com um dos Turbo Compound em primeiro plano |
Os Turbo-Compound,
quando foram introduzidos nos motores aeronáuticos Wright R3350 TC,
causaram muitos problemas, no entanto. Esses motores foram utilizados
nos últimos grandes aviões comerciais de motor a pistão, os Lockheed
Super Constellation e Douglas DC-7, mas a tecnologia de materiais da
época não era adequada ao uso de tais dispositivos, que muitas vezes
falhavam catastroficamente, geralmente por superaquecimento. Foram
praticamente abandonados, em favor do uso de motores a reação, e só
recentemente os Turbo Compound voltaram a ser utilizados, não em motores
aeronáuticos, mas sim em motores a diesel de caminhão.
Para
demonstrar as perdas de potência em um motor a pistão turbocomprimido,
vamos utilizar como exemplo um dos mais eficientes motores já
construídos, o Rolls-Royce Merlin da década de 1940. A despeito de ser
antigo, tal motor é considerado muito eficiente até mesmo pelos padrões
de hoje:
Motor Rolls-Royce Merlin |
Energia química do combustível (potência teórica): 5.410 HP;
Perdas:
1) Pelo escapamento: 2.790 HP
(51,6%), sendo 2540 HP (47%) perdidos sob a forma de calor e energia
mecânica, e 250 HP (4,6%) de energia química desperdiçada por produção
de metano e monóxido de carbono pela combustão incompleta;
2) Perdas de calor da queima
através do cilindro, absorvidas pelo sistema de refrigeração e pelo
óleo, ou perdidas por irradiação direta: 660 HP (17,2%);
3) Potência absorvida pelo supercharger: 60 HP (1,1%);
4) Perdas mecânicas por atrito (reconversão de energia mecânica em térmica), ou para acionamento de acessórios: 300 HP (5,6%);
Potência efetiva, medida no eixo da hélice: 1.600 HP (29,6%)
A potência efetiva, ao se
converter em tração, ainda sofre perdas, por atrito, viscosidade do ar e
compressibilidade na hélice, equivalentes a cerca de 20 por cento da
potência efetiva nas melhores hélices. No nosso exemplo, a potência útil ou tratora equivaleria a 1.280 HP.
Os cálculos acima foram feitos
para a gasolina efetivamente queimada, não considerando, portanto, o
combustível que entrou no motor e não foi consumido. Quando se usa
mistura rica, há grande aumento de consumo, e mesmo com o uso de mistura
pobre, uma certa quantidade de gasolina não será queimada.
Mesmo considerando a baixa
eficiência dos motores a pistão, esses são bem mais eficientes que os
motores a reação. Como os altamente eficientes, mas pesados, motores
elétricos ainda não são praticáveis na aviação, exceto para algumas
pesquisas experimentais, o motor a pistão ainda é a melhor opção para as
aeronaves leves.
Vale dizer que os motores de
ciclo Diesel são mais eficientes que os motores ciclo Otto, e devem ser
uma boa opção para se equipar a aviação leve, no futuro próximo.
Fonte:Cultura Aeronáutica
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