- Lana Wallace
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Ele subia lentamente por entre os blocos de nuvens, a 800 metros ao leste. Primeiro surgiram os montantes acima da asa superior. Depois, uma asa coberta por tecido, a fuselagem, a asa inferior e os patins da asa inferior emergiram das nuvens. Era um Jenny: gracioso, delicado e emoldurado por raios prateados sobre a névoa matutina. E por um momento perguntei-me se era eu quem viajava no tempo; se meu Cessna tinha me transportado de volta para uma manhã análoga de 1920, quando os modelos Fords T eram os reis da estrada e o Curtiss JN–4D "Jenny" era o rei dos céus.
O Jenny seguia na mesma direção que eu e tinha atravessado as nuvens, nivelando-se à minha posição. Então, durante alguns instantes mágicos, voamos juntos — aviões de duas épocas diferentes lado a lado, cruzando juntos um céu atemporal de um mundo muito diferente daquele que cada avião viu na primeira vez em que voou. Mas até mesmo o meu lento Cessna, a 100 mph, voava muito mais rápido que o Jenny a 60 mph. Por isso, o Jenny foi lentamente ficando para trás, até sumir completamente de vista.
"Naquele tempo, o Jenny representava uma abordagem radicalmente nova no projeto de aeronaves."
Alguns pilotos restauraram carcaças de antigos Jenny e conseguiram colocá-los em condições de vôo. Mas só uma pessoa muito especial e dedicada está disposta a despender tanto amor e trabalho para ressuscitar um Jenny. Isso porque mesmo novo ou reformado, o JN–4 era um avião sem grande importância com um motor suspeito, recursos de vôo antipáticos e desempenho medíocre. Então por que tantas pessoas se enternecem só de olhar para os poucos exemplares restantes dessa ave rara e antiga? Porque o Curtiss JN–4 foi o avião que apresentou o público americano à aviação. O Wright Flyer pode ter sido o primeiro avião, mas poucas unidades foram construídas, o que significa que somente algumas pessoas conseguiram vê-lo voando.
Por outro lado, o Jenny treinou, somente durante a Primeira Guerra Mundial, quase 9.000 pilotos americanos — o que representa aproximadamente 95% dos pilotos do país em 1919. Ao fim da guerra, o Exército viu-se abarrotado de milhares de aviões JN–4 de treinamento desnecessários. As autoridades resolveram, então, vendê-los como excedente ao preço de 100 dólares. Aviões excedentes e pilotos solitários logo se encontraram, dando início à era dos aviões acrobáticos de viagem. Voando de uma cidade para outra naquele imenso país em seus Jennies remendados, ganhando alguns trocados com acrobacias e passeios, esses pilotos proporcionaram a milhões de americanos seu primeiro contato com o vôo. Na verdade, o Jenny era quase sempre o primeiro avião que o público já tinha visto.
Na verdade, o JN–4 foi projetado antes da Primeira Grande Guerra, mas foi a partir dela que ganhou fama e sucesso por fornecer o motivo e o dinheiro necessários para sua montagem em grande escala. Em 1914, a alta cúpula do Exército americano baniu projetos de aviões "propulsores", como o Wright Flyer e o Curtiss Pusher original, que tinham o motor e a hélice montados na parte traseira do avião, pois essa configuração constituía um perigo significativo aos pilotos no caso de colisão. Portanto, Glenn Curtiss, precisando de um novo projeto, associou-se a um engenheiro britânico chamado B. Douglas Thomas, que trabalhava na Sopwith Aviation Company (fabricantes do Sofwith Camel e Pup).
Curtiss pediu a Thomas que criasse um avião "trator", com motor e hélice posicionados na frente, e batizou de Curtiss "Model J". Enquanto isso, Curtiss desenvolvia um projeto próprio, que chamou de "Model N". Em 1915, ele fundiu os dois projetos, criando o "JN" e marcando o nascimento da série de aviões Curtiss JN ou "Jenny". A demanda por Jennies aumentou sensivelmente quando os EUA entraram na guerra, na primavera de 1917. Entre maio de 1917 e novembro de 1918, quase 8.000 Jennies foram produzidos por Curtiss e seis outros fabricantes.
Os conceitos básicos que orientaram o projeto do Jenny — biplano com asas decaladas, motor e hélice na parte frontal, dois trens de pouso principais na parte frontal e um patim de cauda na parte traseira, sob um leme vertical e um estabilizador horizontal — hoje em dia podem parecer normais para nós, já que praticamente todos os biplanos construídos depois do Jenny seguiram a mesma fórmula. Mas, naquele tempo, o Jenny representava uma abordagem radicalmente nova no projeto de aeronaves.
"Entre todos os seus desafios, o Jenny possuía duas vantagens inegáveis aos olhos dos pilotos pós-guerra: estava disponível e era barato."
O Jenny apresentava características de vôo anormais mesmo quando o motor não parava. O avião não conseguia produzir potência e sustentação suficientes para manter-se reto e nivelado no ar. Por isso, as subidas de decolagem eram eventos arriscados, principalmente se o avião levasse carga. E fazer uma curva sem entrar em estol ou parafuso exigia uma pitada de elegância do piloto — o que tornava ainda mais incrível a realização de acrobacias no Jenny.
Na sua autobiografia intitulada "We", Charles Lindbergh descreve a tentativa de decolagem de um Jenny com um passageiro e um pára-quedas pesado como um saco de areia que estava querendo testar.
Foto da Air Force Historical Research Agency Glenn Curtiss fundiu os projetos do Model J (acima) e do Model N para criar o Curtiss JN "Jenny". |
"Entre todos os seus desafios, o Jenny possuía duas vantagens inegáveis aos olhos dos pilotos pós-guerra: estava disponível e era barato. As decolagens eram lances de sorte, os pousos eram imprevisíveis e o vôo era uma aventura constante, mas nada disso era problema. Ao regressarem, os pilotos militares tinham sentido o gosto de uma droga intoxicante chamada vôo. E estavam preparados para enfrentar muitas incertezas e desconfortos para manter aquela droga correndo em suas veias.
Essa paixão era requisito obrigatório para o piloto, já que o vôo acrobático ou de passeio no Jenny geralmente envolvia boas doses de incerteza e desconforto. No início da década de 20, não havia aeroportos, hangares de manutenção ou auxílios de navegação. Os pilotos de Jenny navegavam usando bússola, mapas rodoviários e ferrovias. Esses métodos funcionavam razoavelmente bem; quando o tempo estava bom, o piloto podia até mesmo terminar nos arredores certos do local para onde desejava ir. Mas não era incomum o piloto descobrir que havia voado em um dia 250 km para o norte, e não para o oeste, e que havia aterrissado no Tennessee, quando gostaria de ter chegado no Alabama. Se o tempo estivesse ruim, esses problemas pioravam. Isso se o motor OX-5 do Jenny realmente funcionasse o tempo todo.
"Os pilotos que aprenderam a voar no Curtiss Jenny tornaram-se pioneiros e líderes do serviço de correio aéreo, do vôo de linhas aéreas transcontinentais e do setor de aviação que conhecemos hoje."
Underwood & Underwood/CORBIS O Curtiss Jenny foi a estrela de inúmeros espetáculos durante os anos da acrobacia aérea. |
No início, um avião acrobático poderia gerar interesse e dinheiro simplesmente se exibindo e oferecendo passeios. No entanto, depois que as pessoas passavam pela experiência de voar, era necessário um atrativo a mais para capturar sua atenção e seus dólares. A necessidade de entreter levou os pilotos a forçar o Jenny e outros aviões a realizar manobras mais absurdas — e perigosas — durante a era do vôo acrobático. Primeiro os acrobatas subiram nas asas, depois se penduraram nelas enquanto os pilotos realizavam manobras, mais tarde passaram a pular de avião para avião, de carro para avião, de barco para avião e, até mesmo, a jogar partidas de arco e flecha e tênis em cima de um Curtiss JN–4 em um esforço ilimitado de atrair multidões. Tudo isso era feito em um avião cujo desempenho era considerado limitado, na melhor das hipóteses, embora contasse com um bom conjunto de braçadeiras, cabos, patins e peças no qual os acrobatas podiam se segurar.
Foi uma época de loucuras — um período de liberdade generalizada de experimentações que normalmente acontece uma vez na história de alguma nova tecnologia. Mas por mais irresponsáveis que alguns pilotos acrobatas pareçam ter sido, na verdade eles desempenharam um papel fundamental no avanço da aviação. Os pilotos acrobatas de Jenny foram os grandes pioneiros do vôo — à medida que voavam, plantavam as sementes de uma comunidade e de uma indústria de aviação mais duradoura no país. O pequeno terreno coberto de feno em Findlay, Ohio, onde os pilotos acrobáticos Marshall e Palmer venderam passeios no verão de 1920, foi transformado em um aeroporto oficial na primavera seguinte. O termo "operador de base fixa" (ou FBO) que usamos hoje para nos referirmos às instalações de combustível e manutenção dos aeroportos nasceu dos pilotos acrobáticos que finalmente se estabeleceram em cidades propícias e começaram a oferecer serviços de vôo em uma base de operações única ou fixa. E os pilotos que aprenderam a voar no Curtiss Jenny tornaram-se pioneiros e líderes do serviço de correio aéreo, do vôo de linhas aéreas transcontinentais e do setor de aviação que conhecemos hoje.
Museu da Aviação/CORBIS Sendo uma novidade na época, o Curtiss Jenny introduziu muitas pessoas ao mundo da aviação. |
Pilotar um Jenny é abdicar de todos os confortos e conveniências da era moderna em favor de uma experiência mais visceral. Os pilotos de Jenny não precisam usar os músculos para cruzar os céus, superando a natureza com potência e tecnologia. Eles precisam ouvir o som dos cabos de vôo, sentir e ajustar qualquer leve tremor das asas, apaziguar uma aparente discórdia entre a temperatura da água e o ângulo de subida. O vôo de um Jenny é uma dança caprichosamente coreografada entre o ser humano, a natureza e a máquina. Manter o ritmo requer muita atenção e uma pitada de graciosidade e elegância. Ninguém nunca dirá que foi fácil. Mas valorizamos a maioria das coisas pelas quais lutamos para obter. E um belo vôo de Jenny é uma das experiências mais espetaculares que um piloto pode vivenciar.
"O vôo de um Jenny é uma dança caprichosamente coreografada entre o ser humano, a natureza e a máquina..."
Poucas pessoas têm o privilégio de sentir o gosto de um tempo que já passou. Sem dúvida, os pilotos de Jenny estão entre os privilegiados. Cruzar os céus do centro-oeste americano em uma enevoada manhã de verão a bordo de um Jenny é um escape para os problemas cotidianos da vida moderna. E o que fica são presentes outrora conhecidos somente por alguns aventureiros sortudos e corajosos: o gosto do vento, o som dos cabos de vôo e a sensação mágica de ter um avião e um céu só para si.

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