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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

E SE NÃO TIRAR A CAPA DO TUBO PITOT?


A capa do pitot com o aviso "Remova antes do voo")

"Manicacada" é jargão aeronáutico para fazer alguma besteira na pilotagem. Também, há um ditado que diz "Só há dois tipos de piloto, os que nunca pousaram com o trem em cima e os que já". O mesmo ditado pode ser aplicado para a capa do tubo pitot, trocando as palavras de acordo. Pois eu já fiz uma manicacada de decolar com o pitot estando com a capa, que serve para evitar a entrada de insetos, que poderia afetar a leitura do indicador de velocidade do ar (air speed indicator).

O tubo de pitot é um dispositivo que faz parte do sistema de informação de velocidade aerodinâmica de uma aeronave.Ele capta o ar que passa pelo avião e a pressão resultante é usada para, por meio de uma membrana, aciomar o ponteiro do instrumento na cabine.

Cedo se aprende a fazer a inspeção pré-voo como passo esssencial antes de decolar. Um dos itens é justamtente certificar-se de que o pitot está sem a capa.

Nos anos 1960 eu costumava voar no Aeroclube de Nova Iguaçu, uma vez que mais próximo, o Aeroclube do Brasil, em Manguinhos, próximo a refinaria de petróleo de mesmo nome, tudo na avenida Brasil, no Rio de Janeiro, havia sido fechado por ordem do presidente Jânio Quadros depois que o Vickers Viscount presidencial e um North American T-6 da Força Aérea Brasileira quase colidiram ali perto. Só que os T-6 não operavam no aeroclube, mas em alguma base aérea, do Galeão ou Afonsos. Mas o Aeroclube do Brasil foi fechado e ponto final, num dos mais absurdos atos do Executivo que se tem notícia.
Eu estava com cerca de 20 horas de voo, portanto no meio do curso de pilotagem. Tive que passar a ir da Gávea a Nova Iguaçu, uma distância considerável. 35 ou 40 quilômetros, para prosseguir com o curso. Na 
época, 1962, eu por fazer 20 anos, meu transporte pessoal era uma Vespa 150, que logicamente era como eu fazia o percurso.

Finalmente veio o brevê naquele mesmo ano e continuei frequentando o aeroclube. Voava em tudo que tinha lá: Piper J3 Cub de 65 hp, CAP-4 Paulistinha de 65 hp, Neiva P-56 de 90 hp, Piper PA-11 e PA-18 também de 90 hp e até um Fairchild T-19, motor  Ranger de seis cilindros em linha, invertido, 175 hp, cabine aberta, lento (122 mph/195 km/h) mas ótimo de voar.

Fairchild T-19, maravilhoso de voar (ninja-brasil.blogspot.com)


Mas um belo dia, novidade: A ELA - Escola Livre de Aviação, de Belo Horizonte, começara a operar em Nova Iguaçu com três ou quatro Cessnas 150 zero-hora e o responsável era um velho amigo. Comecei a voá-los imediatamente, a hora de voo custava um pouco mais, mas o prazer compensava. Só o fato de poder levar alguém junto do lado e não atrás - ou na frente, como no J-3 Cub ou no CAP-4 - o mais comum arranjo de bancos em fila (tandem), compensava. E avião zero é como carro, a melhor marca é novo.

Cessna 150 igual ao da Escola Livre de Aviação (jameswiebe.blogspot.com)

Que diferença para os outros aviões do clube! Todo metálico, motor Continental 0-200-A de 100 hp (101,4 cv) a 2.750 rpm e - luxo dos luxos - flapes elétricos! Um espetáculo de avião. E o trem de pouso era triciclo, como nos aviões "de verdade", não o tradicional de trem principal com a pequena roda na extremidade traseira, na bequilha.

Alguns dados do Cessna 150: .velocidade máxima 122 mph (195 km/h), velocidade de cruzeiro a 75% da potência a 7.000 pés. 117 mph (187 km/h), alcance 475 milhas (760 km/h), autonomia 4.1 horas com 22,5 galões de gasolina (85 litros), o que dá 8,9 km/L. Corrida de decolagem 735 pés (224 metros), corrida de pouso 445 pés (135 metros).

Cessna 150, .iInterior funcional e de bom gosto (pilotfriend.com)

Ele tinha uma operação diferente de todos os outros no uso do motor. Em vez de decolar e a 100 pés reduzir potência para a subida, era acelerador "no esbarro", aceleração total até o nível de cruzeiro. Tinha piloto que não "punha fé" nisso e reduzia potência como nos outros, o que empobrecia a mistura e levava a superaquecimento do cabeçote. Tinha que seguir o  manual mesmo!

Um dia fui sair no 150, fiz a inspeção prévia, entrei, dei partida, taxiei e iniciei a decolagem. Na corrida para decolar, nada do ponteiro do airspeed (velocidade do ar) se mexer: 60, 65, 70, 75 milhas por hora e nada. Ué, por que será que o ponteiro não mexe?, me perguntei, até uma varrida de olhos da asa direita à asa esquerda elucidar o mistério: pitot com a capa. "Que cag..........!", repreendi-me. Mas como o avião já estava leve, senti que já havia sustentação, puxei o volante do manche e o nariz logo se mexeu. Puxei mais e o solo se afastou de maneira convincente. Decolagem normal.

Um indicador de velocidade do ar típico (culturaaeronautica.blogspot.com)

Dei a volta do campo, fiz o circuito de tráfego, fiz a aproximação padrão - já conhecia a velocidade vertical de planeio e o quanto de potência usar - e o pouso foi absolutamente normal. Parei o Cessna na cabeceira onde nada havia senão mato para ninguém ver, saltei sem desligar o motor e rapidamente tirei a capa do pitot. Taxiei até a outra cabeceira e decolei de novo para  mais um belo passeio e treino, tremenda curtição.

Erro primário meu? Claro que foi, felizmente sem consequências. Mesma sorte não teve a tripulação de passageiros de um DC-3 que decolou do aeroporto de Congonhas com o elevador e o leme, ambas as superfícies de comando localizadas na cauda, com as travas usadas enquanto estacionado, para não serem movimentadas pelo vento e avariadas. Estatelou-se no bairro do Morumbi, parcamente habitado no início dos anos 1950. Não houve sobreviventes.

Trava de leme num DC-3 (em vermelho) (phase.com)  
Foto: culturaaeronautica.blogspot.com

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