Caros amigos
Este
artigo tem como objetivo reavivar conceitos aerodinâmicos e procedimentos
envolvendo uma parte muito importante do vôo, e ao mesmo tempo evitada
pela maioria dos pilotos: a autorotação. Isto é bastante compreensível visto que se trata de um procedimento
de emergência para helicópteros.
Tentaremos
explicar aos leigos como funciona uma autorotação desfazendo o mito
de que, se o motor do helicóptero falhar, ele irá cair como uma pedra.
Da mesma forma, temos o intuito de reavivar conceitos aerodinâmicos
e procedimentos importantes aos profissionais da aviação, mais especificamente
aos pilotos de helicópteros.
Atenciosamente,
AUTOROTAÇÃO
O
fato de um helicóptero monomotor ter maior chance de efetuar um pouso
seguro, em conseqüência de uma pane de motor, em comparação a um avião
monomotor é, sem dúvida alguma, um dos pontos mais discutidos da aviação.
Inicialmente,
para os leigos, informamos que o rotor de um helicóptero não para,
mesmo quando existe uma falha do motor.
O
rotor se desacopla do motor em pane através de uma roda livre que
funciona baseada no mesmo princípio da catraca de bicicleta.
Vamos
portanto relembrar alguns princípios aerodinâmicos envolvendo uma
das pás de um rotor, bem como sua seção.
Em
aerodinâmica, aparece a noção do movimento relativo. Na realidade,
para estudar o comportamento aerodinâmico de um corpo, é preciso considerar
seu movimento, não em relação à terra (movimento absoluto), mas em
relação ao ar (movimento relativo). Desta forma, as velocidades aqui
empregadas, serão velocidades relativas (Vr)
Quando
um perfil aerodinâmico passa através de um fluído, neste caso o ar,
com uma velocidade relativa Vr, cria dois fenômenos a saber
:
Uma
área de pressão no intradorso (parte inferior do perfil) e uma área
de depressão gerada no extradorso do perfil ( parte superior).
As
forças de depressão são preponderantes em relação às forças de pressão,
assegurando por volta de 70% da força de sustentação.(Figura 1)
A
diferença entre estas duas forças se chama resultante aerodinâmica
(Fr) que se decompõe em outras duas forças a saber :
-
A força de sustentação (Fz): é a força que sustenta o perfil
e é perpendicular ao vento relativo (Vr)
-
A força de arrasto (Fx): é a força que freia o perfil e é paralela
ao vento relativo (Vr). Ela absorve inutilmente energia. (Figura
2)
Ângulo
de Incidência (i) É o ângulo formado entre a corda média
de um perfil aerodinâmico e o vento relativo (Vr)
Sabendo
que as forças de sustentação e arrasto variam em função das modificações
de ângulo de ataque (i), desde que mantidos constantes os outros
parâmetros, podemos afirmar que o gráfico de sustentação X arrasto
define as características do perfil aerodinâmico.
A
esta curva damos o nome de Polar, porque é definida pela extremidade
do vetor OM e oriunda de um mesmo polo. (Figura 3)
Mecanismos
foram criados para que pudéssemos alterar as forças aerodinâmicas
de um perfil variando seu ângulo de incidência (i). Esses são
os comandos de passo coletivo e cíclico.
Outros
aspectos do rotor, como variação de passo coletivo e cíclico, variação
de velocidade angular, torção da pá, batimento, avanço e recuo e etc.,
não serão abordados visto que o nosso objetivo é falar sobre a autorotação.
Quando
se tem o motor enviando potência para o rotor, mantendo a rotação
constante das pás, tem-se garantido também a manutenção do vento relativo
nas pás. Mas, quando ocorre a pane de motor esta transmissão de potência
cessa em virtude do desacoplamento motor/rotor, através da roda livre.
Vamos
então recordar as forças autorotativas e anti-autorotativas.
Porque
o rotor de um helicóptero continua a girar (então a fornecer uma sustentação
Fn), se não existe mais a transmissão de potência do motor?
Se
decompormos Fn em seus vetores formadores, segundo a direção
do vento relativo (Vr) teremos :
1 - Força
de Sustentação Fs
2
- Força de Propulsão Fa
Neste
caso, a Força de propulsão Fa é oposta à Força de Arrasto
Fx.
Se
o ângulo de incidência (i) é grande, Fn é inclinada
para frente e a força Fa é muito mais significativa que a força
de arrasto Fx, cuja resultante R, entre Fa e
Fx é dirigida para frente. Esta é a força autorotativa que
impulsiona as pás em autorotação. (Figura 4)
Ao
contrário, se o ângulo de incidência (i) é pequeno, a inclinação
de Fn à frente também é discreta, como também o é a força de
propulsão Fa, em relação à força de arrasto Fx.
No
momento em que Fa < Fx, a resultante R é dirigida
para trás, criando a força anti-autorotativa, que é uma força que
freia as pás. (Figuras 5 e 6)
A
pane de motor, que poderia nos obrigar a efetuar uma autorotação ocorre
em duas condições bem definidas:
1
- Com velocidade zero, ou seja, em vôo estacionário, dentro
do efeito de solo (DES), ou fora do efeito de solo (FES).
2
- Com velocidade horizontal positiva, ou seja, em vôo nivelado.
No
primeiro caso, quando a pane de motor acontece no vôo pairado, a incidência
das pás depende tão somente da direção do vento relativo Vr.
Como a descida se faz verticalmente, o vento relativo resulta da velocidade
tangencial das pás (U = w R) e da velocidade vertical do ar
que passa através das pás do rotor (V1). (Figura 7)
A descida
em autorotação corresponde ao regime de descida moderado. Na parte
central do rotor o fluxo de ar atravessa de baixo para cima. Acima
do rotor, a velocidade se anula e os filetes de ar são rebatidos para
a periferia do disco do rotor, atravessando-o de cima para baixo (a
velocidade V1 é inversa). (Figura 8)
A
velocidade tangencial U é proporcional ao raio R da
seção da pá considerada. A velocidade cresce no sentido do punho da
pá, para sua extremidade. (Figura 9)
Jogando
com todos estes parâmetros, podemos afirmar que nestas condições,
o disco do rotor se divide em três zonas distintas (figura 10), ou
seja :
Na
autorotação, a partir do vôo em translação, temos que agregar um novo
elemento que é a velocidade do helicóptero. Este novo elemento não
modifica em nada os conceitos aqui apresentados. O que se modifica
é a velocidade do vento relativo Vr, segundo a posição do rotor
e o sentido de deslocamento do helicóptero. (Figuras 11 e 12)
O
aumento da incidência do lado da pá que recua ( e sua diminuição do
lado da pá que avança), desloca a zona autorotativa para o lado da
pá que recua, em conseqüência da velocidade de translação v.
O
PROCEDIMENTO
A
falha ao efetuar uma boa entrada em autorotação, após uma pane de
motor, é uma das causas primárias dos acidentes de helicópteros. A
chave para se fazer uma boa entrada em autorotação é manter a velocidade
de rotação do rotor alta. Ao se permitir uma queda acentuada desta
rotação, o rotor poderá estolar ( descolamento dos filetes de ar do
perfil), quando solicitado a sustentar o peso do helicóptero. Porém,
muito antes deste ponto chegar, outras panes como falha do (s) gerador
(es), pressão hidráulica abaixo dos mínimos poderão acontecer.
A
razão para esta queda de rotação é que a energia fornecida pelo motor
cessou e o rotor começa a consumí-la, o que se traduz na diminuição
de rotação. Se temos um rotor de alta energia, em função do peso das
pás ou do peso nas pontas das pás, esta queda se dará mais lentamente
do que num rotor de baixa energia.
A
condição de vôo no momento da pane de motor também influencia na queda
de rotação, ou seja, uma pane de motor num regime de subida a toda
potência, resultará numa queda rápida de rotação. Ao passo que numa
situação inversa, ou seja, numa descida em baixa potência, a perda
de rotação seria insignificante.
O
procedimento para se prevenir uma queda acentuada de rotação, descrito
e aprovado pela maioria dos fabricantes, é o de se diminuir as solicitações
de potência do rotor reduzindo-se o passo coletivo. Esta manobra resultará
numa diminuição de sustentação, fazendo com que o helicóptero inicie
uma descida no ar (ar passando pelas pás do rotor), que se constitui
no primeiro pré-requisito para uma autorotação.
Ao
perder altitude, o helicóptero estará perdendo sua energia potencial,
mas ganhando energia cinética no rotor.
O
fluxo constante de ar pelo rotor produz potência suficiente para as
necessidades do helicóptero naquela velocidade.
A
menor razão de descida ocorrerá na velocidade onde o helicóptero voa
com a menor potência aplicada (Vy), da curva de potência em
vôo nivelado (figura 13). É prudente mantermos uma velocidade 10KIAS
acima da Vy, como margem de segurança no momento do flaire.
Ao
se manter a mesma atitude da rampa em autorotação, até o contato com
o solo, positivamente o choque teria energia superior ao suportado
pelo trem de pouso ou esquis do helicóptero, e os mesmos não absorveriam
esta energia. Portanto, uma manobra que diminua a energia cinética
ao longo da rampa se torna necessária, ao mesmo tempo em que o contato
com o solo é efetuado. Isto é o flaire. A manobra consiste em cabrar,
ou seja, colocar o nariz da aeronave para cima, diminuindo ao máximo
a velocidade de translação do helicóptero, enquanto ganha rotação
no rotor para se aplicar potência nas pás através do passo coletivo,
e suavizar o contato com o solo. (Figura 14)
É
evidente que o sucesso de uma autorotação depende de vários fatores,
mas o timing do piloto ao executar todas estas manobras é crucial.
Isto se adquire através de treinamento continuado até que todas as
ações sejam feitas quase que por instinto, ou reflexo condicionado.
Em
todo o procedimento descrito até o momento, independente da proficiência
do piloto, algumas combinações de altura e velocidade se tornam mortais
e resultarão em um acidente.
A curva que mostra
estes pontos é a Curva do Homem Morto, ou mais polidamente chamada
de diagrama Altura X Velocidade. (Figura 15)
Fora
da área a ser evitada, o piloto deverá ser capaz de efetuar uma autorotação
com sucesso, assumindo que ele tenha uma área de pouso disponível.
Mas, dentro da área do gráfico a ser evitada, mesmo com todos os pré-requisitos
descritos anteriormente, sérios danos poderão ser causados à aeronave
e seus ocupantes, no caso de uma autorotação.
Alguns
pontos desta curva são bastante definidos :
- Vôo pairado dentro
do efeito de solo: Se a pane ocorrer e o helicóptero estiver na
altura certa, a energia do rotor e o uso do passo coletivo, serão
suficientes para amortecer o contato com o solo. Mais alto que o previsto,
o rotor irá estolar quando o passo coletivo for usado e o contato
com o solo será bastante severo.
- Vôo pairado fora do
efeito de solo: Este segundo ponto é o mais alto da curva que
possibilita ao piloto ganhar velocidade a frente até a velocidade
ideal de autorotação, efetuar um flaire e ter energia suficiente no
rotor par amortecer o seu contato com o solo.
- Vôo nivelado a baixa
altitude: Uma autorotação em vôo nivelado será sempre possível
visto que muita da energia cinética já está presente na velocidade,
salvo no segmento de alta velocidade a ser evitado na curva Altura
X Velocidade. Se durante um vôo a baixa altura, uma pane de motor
ocorrer, as características de fapping do rotor (pá que recua baixa
e pá que avança sobe) produz um momento a cabrar, fazendo com que
o nariz do helicóptero suba. Se a distância em relação ao solo não
for suficiente, haverá o contato do rotor de cauda com o solo e o
acidente será inevitável.
CONCLUSÃO
O
procedimento de autorotação já é por si só complicado o suficiente
para nós pilotos em função das variáveis envolvidas. Portanto, nossa
obrigação, conhecedores que somos destas variáveis, é minimizar os
riscos desnecessários como os inerentes aos vôos dentro das áreas
a serem evitadas. Uma consulta aos Manuais de Vôo dos fabricantes,
resultará no conhecimento profícuo destes perigos.
Mas,
se por força das circunstâncias e da operação, o piloto se ver obrigado
a voar numa situação delicada, e por falta de sorte tiver uma pane
nestas condições, procure não gastar inutilmente a energia de seu
rotor. Mas, ao contrário, procure ganhar energia seguindo os procedimentos
previstos. Ao contato com o solo, procure um toque o mais nivelado
possível, para que a tremenda energia cinética seja absorvida pela
estrutura do helicóptero e a cabine de passageiros fique integralmente
preservada, bem como seus ocupantes. Afinal este é o objetivo primário
desta manobra de emergência.
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