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domingo, 27 de novembro de 2011

Lidando com Cinzas Vulcânicas

Artigo interessantíssimo publicado no Boletim Interno de Segurança de Vôo da GOL em Novembro de 2008. Segue abaixo texto na íntegra.

Lidando com Cinzas Vulcânicas
Cinzas Vulcânicas: ameaça invisível ao Weather Radar

O tema “Volcanic Ashes” raramente é abordado no Brasil. Contudo, em 2008, diversos vulcões entraram em erupção nos países vizinhos (como o Chaiten no Chile e o Galeras na Colômbia), gerando nuvens de cinzas vulcânicas e causando o fechamento de vários aeroportos, como EZE. Nos últimos dias, a erupção de outro vulcão, cerca de 300 km ao sul de Bogotá, trouxe à tona a importância de se conhecer os procedimentos adequados em relação a esse problema. As cinzas vulcânicas são pequenos fragmentos de rocha e vidro vulcânico, pontiagudos e abrasivos e que podem desgastar plástico, metal e até vidro. O vôo em nuvem de cinzas deve ser evitado a todo custo. Erupções podem lançar material a altitudes superiores a 30000 FT.
Há relatos de encontros até 72 horas após a erupção e a mais de 2400 NM da fonte geradora.
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Você comanda um Boeing 747-400 novo em folha. A travessia intercontinental transcorre normalmente em um dia claro de inverno. Após o café-da-manhã, você inicia os preparativos para a descida. Não há NOTAM pertinente e a meteorologia no destino está boa.
Ao passar pelo FL260, a aeronave parece ingressar em uma camada de nuvens esparsas. O sol desaparece e tudo fica escuro, exceto por estranhas partículas luminosas no pára-brisa. Sua primeira reação é sair dessa situação comandando CLB Thrust para subir. Os motores aceleram normalmente até o limite de N1 e a aeronave inicia a subida. Segundos depois, o Fire Warning Bell soa nervosamente e a luz CARGO FIRE FWD ilumina-se por um segundo.
Nesse momento, os quatro motores reduzem para cerca de 45% de N1. As manetes de potência não respondem e o stick shaker soa de forma intermitente. Você percebe que se trata de um ALL ENGINES FLAME OUT, porém, ainda não sabe o motivo. E ainda: que relação isso teria com o aviso de fogo? E com o stick shaker?
Um forte cheiro de enxofre e uma nuvem de poeira adentram a cabine. “OXYGEN MASKS and SMOKE GOGGLES ON”, você determina. Sem motores não há pressurização e nem geradores. A aeronave começa a descer com uma razão inicial de 1500 FT/min. Você solicita recall items para o procedimento de restart dos reatores. O EGT sobe mais rápido do que deveria em todos eles. Nova tentativa. Outra. Mais uma. Os altímetros indicam friamente que suas opções estão acabando. Somente na sétima tentativa, os motores 1 e 2 reacendem e a aeronave nivela a 13000 FT. Pouco tempo depois, os reatores 3 e 4 voltam a funcionar. Você executa a aproximação e pousa com segurança em seu destino.
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Isso parece relato de pesadelo de piloto, mas é um fato real. Foi mais ou menos o que ocorreu em um vôo entre Amsterdam e Anchorage, em dezembro de 1989: o 747 ingressara nas cinzas da erupção do Mt. Redoubt. Apesar do susto, os 231 passageiros e 14 tripulantes saíram ilesos.
Contudo, os danos foram extensos. Os motores tiveram que ser substituídos e a manutenção teve bastante trabalho para trocar windshields, probes, sistemas de pressurização e de ar-condicionado. Também foi preciso reparar o sistema hidráulico e o elétrico, limpar a poeira do interior da aeronave e dos tanques de combustível.
Na época, o fato foi amplamente divulgado na mídia. Ao menos três empresas interromperam as operações na região até que as condições melhorassem. Os pilotos do jato relataram às autoridades que não haviam visto as cinzas e que o radar também não as detectara. Envolvidos na investigação disseram que o avião parecia ter passado por uma máquina de jateamento de areia.
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Ameaça Invisível
Como os atuais radares de bordo não conseguem detectar essa ameaça, os pilotos precisam estar atentos e buscar informações precisas sobre áreas de presença potencial ou observada de nuvens vulcânicas. Também é importante que conheçam as técnicas para o caso de encontro inadvertido.
Boa parte da informação atual sobre vulcões já está disponível há tempos. Contudo, a indústria da aviação só iniciou uma aproximação com a comunidade científica após a erupção de Mt. Redoubt. Em conferência internacional em 1991, cientistas vulcanólogos e membros da comunidade aeronáutica uniram-se para tentar definir que tipo de informação era realmente útil para a aviação, como essa informação poderia ser distribuída, e que órgãos deveriam distribuí-la.
Um dos resultados desse encontro é a existência hoje dos Volcanic Ash Advisory Centers (VAAC). Os nove VAAC existentes hoje são elementos de ligação importante entre observatórios, agências meteorológicas, ATC e operadores. Tais centros têm a função de alertar os Meteorological Watch Offices (MWO), que, por sua vez, emitem mensagens de alerta (Volcanic Ash SIGMET) para sua área de responsabilidade.
A maior disponibilidade de satélites e a tecnologia para traduzir dados em informações úteis para os operadores têm reduzido o número de encontros com cinzas vulcânicas.
Os nove VAAC ao redor do mundo: informações detalhadas sobre os centros, incluindo contatos,estão disponíveis no http://www.ssd.noaa.gov/VAAC/
A região do Pacífico conhecida como Anel de Fogo apresenta uma das maiores concentrações de vulcões em todo o mundo, com mais de 100 vulcões ativos. Mais de 80 aeronaves reportaram encontros com nuvens vulcânicas entre 1980 e 2000, com conseqüências variando desde o desgaste prematuro dos motores, até Loss of Thrust on All Engines.

Danos à Aeronave
1)Deterioração do desempenho dos motores:
A perda parcial ou total de potência dos motores por ingestão de cinzas e detritos, embora não muito freqüente, é uma preocupação real. Nuvens de erupções recentes contêm alta concentração de cinzas, capazes de causar perda total de potência em menos de um minuto! Os danos ao motor ocorrem principalmente por causa da erosão de partes móveis e/ou bloqueio parcial ou total dos bicos injetores de combustível.
Os motores estão sujeitos a maiores riscos de danos quando em regimes de alta potência, pois as temperaturas internas podem exceder o ponto de fusão do material de vidro vulcânico. Nesse caso, essas partículas derretem-se na seção quente do motor e, ao passar pelas rodas da turbina, esse material sofre abrupto resfriamento e adere às turbine vanes, perturbando o fluxo de ar proveniente da câmara de combustão. Esse distúrbio de fluxo pode causar stall e conseqüente aumento de EGT do motor.
A aviação registra pelo menos dois outros 747 que adentraram inadvertidamente em nuvem vulcânica e perderam todos os motores. Nos dois casos, os motores foram reacionados e as aeronaves pousaram em segurança. Todavia, a experiência mostra que os danos causados por tal evento não se limitam aos motores e incluem diversas partes da aeronave, como pára-brisa, pitots, lentes dos faróis, luzes de navegação, bordo de ataque de empenagem e asas, etc. Também pode ocorrer contaminação de diversos sistemas.
Anel de Fogo: os vulcões ativos do Pacífico

2)Contaminação de Sistemas:
As cinzas vulcânicas são muito finas (até 1 mícron) e podem facilmente penetrar até mesmo em compartimentos bem selados. Além disso, essas nuvens têm alta carga de eletricidade estática, o que torna difícil a sua remoção de componentes eletrônicos. Os depósitos de cinza também são higroscópicos, isto é, absorvem água e causam curto-circuito e falhas intermitentes nos equipamentos eletrônicos (por esse motivo ocorreu o stick shaker no B747 de Anchorage).
Depósitos mais densos de cinzas podem travar bleed valves e entupir filtros, causando a despressurização da aeronave. A poeira também pode obstruir pitots e tomadas estáticas.
Estratégias de Prevenção
Prevenir o vôo em ambientes de risco potencial requer diversas ações de planejamento:
- O Despacho Operacional deve fornecer aos pilotos todas as informações, como por exemplo: vulcões em erupção ou com potencial de entrar em erupção; cartas de vento; NOTAMs e SIGMETs ativos, cartas e observações de eventuais nuvens de cinzas que possam afetar alguma rota em particular; suspensão de rotas afetadas; ativação de rotas de contingência, etc.;
- Nos treinamentos em simulador, deve-se dar atenção especial à situação de LOSS OF THRUST ON BOTH ENGINES. Ex: demonstrar a característica de aceleração lenta dos motores no racionamento após ingestão de cinzas vulcânicas.
- É importante que os pilotos reportem indícios de nuvens vulcânicas ao ATC. Existe um formulário padrão para isso, o ICAO special air-report of volcanic activity form (model VAR). Essas informações estão no Jeppesen, seções ATC (pág. 455 e 456) e Meteorology (pág. 6 e 56);
- A atividade vulcânica geralmente apresenta uma série de erupções, separadas por apenas algumas horas. Portanto, a atualização dos dados em vôo é de fundamental importância, pois as condições podem mudar rapidamente.
- As tripulações devem sempre voar pelo menos 20 NM a barlavento (lado de onde vem o vento) em relação a cinzas e poeira vulcânica, lembrando que o radar não é eficaz em identificar cinzas e pequenas partículas de poeira.
Na GOL/VRG, os DOVs no CCO, DOs e bases fora do Brasil são responsáveis por coletar, compilar e atualizar informações relativas a vulcões em atividade que possam afetar a operação. Para avaliar eventuais ameaças vulcânicas nas rotas operadas pela empresa, as seguintes fontes de informação podem ser usadas:
- Air Information Service (Sala AIS), para NOTAMs ativos;
- Organizações internacionais, como ICAO, IATA, NOAA, etc.
Os pilotos receberão as informações necessárias no briefing com os DOVs. Caso julgue necessário, o piloto também pode entrar em contato com o Piloto Coordenador para informações diversas relativas ao vôo ou à rota pretendida.
Reconhecimento da Situação
Vôos noturnos ou em condições de vôo de instrumentos (IMC), são mais susceptíveis ao encontro com cinzas vulcânicas, pois o radar de bordo não as detecta. Baixas concentrações de cinzas podem não ser percebidas visualmente, mesmo durante o dia. Algumas pistas de que a aeronave está penetrando em área de cinzas são:
Odor: Ao adentrar uma nuvem vulcânica, os tripulantes freqüentemente percebem cheiro de fumaça ou enxofre, similar ao de fogo elétrico;
Indicated Airspeed (IAS): As cinzas podem obstruir os pitots e as indicações de velocidade podem diminuir ou flutuar aleatoriamente.
Névoa: Em seus relatos, a maioria dos tripulantes disse que uma névoa tomou conta da aeronave. Rapidamente, é possível perceber uma camada de poeira depositar-se sobre as superfícies;
Alterações nas condições do motor: Surging, tailpipe fire e flameouts podem ocorrer. As indicações de EGT podem alterar-se rapidamente.
Pressurização: A pressão da cabine pode variar. Pode haver perda de pressurização por travamento das bleed valves.
Descargas de estática: Pode ocorrer fenômeno similar ao Fogo de Santelmo. Centelhas azuladas podem surgir no pára-brisa e um brilho branco pode ser visto no bordo de ataque das asas e entrada dos motores.
Visto do espaço: Monte Cleveland em erupção (2006).

Procedimentos Recomendados – Siga sempre o Volcanic Ash NNC.
1. Abandone as cinzas imediatamente: Uma imediata curva descendente de 180º é a melhor maneira de se sair das cinzas. Como as nuvens podem estender-se por centenas de milhas, jamais tente atravessá-las. Não tente subir para passar por cima da nuvem, pois a maior potência aumenta a temperatura do motor e o eventual acúmulo de detritos nas turbinas, podendo ocasionar perda total de potência.
2. Se necessário, use oxigênio a 100% e smoke goggles: A tripulação deve usar oxigênio caso perceba poeira na cabine. Exceto em caso de despressurização, NÃO ative as máscaras dos passageiros, pois elas não evitam que se inspire ar contaminado. Elas serão automaticamente acionadas caso a cabine ultrapasse 14000FT.
3. Desligue o Autothrottle: Isso garante que os motores permaneçam na posição comandada. As cinzas, ao penetrarem no motor podem ocasionar surge. Ao limitar o número de ajustes de potência, há mais chances de recuperação do motor.
4. Reduza thrust para idle imediatamente: Em Idle, os motores tendem a sofrer menor acúmulo de partículas nas turbinas e outros componentes da seção quente, mas continuará a produzir electrical power, bleed air para pressurização, e força hidráulica para controle da aeronave.
5. Use Ignição: Acione Start Switches em FLT. Isso garante que os dois ignitores atuem continuamente, reduzindo o risco de flame out. Caso os motores se apaguem, ou apresentem stall, siga os procedimentos adequados. Durante o restart, fatores combinados de high altitude e ingestão das cinzas, fazem com que os motores acelerem lentamente para Idle. Se a partida não for bem sucedida, repita o procedimento. Lembre-se que a aeronave pode estar fora do Start Envelope se o evento ocorrer em cruzeiro.
6. Use ENG e WING ANTI-ICE e PACKS HIGH: O aumento de bleed dos motores aumenta a razão combustível/ar na câmara de combustão e reduz a possibilidade de surge e/ou flameout. Visto do espaço: Monte Cleveland em erupção (2006).

7.
Se possível, acione a APU: A APU pode alimentar sistemas críticos caso ocorra falha em todos os reatores. A APU também pode ser utilizada para o ENGINE IN-FLIGHT START, utilizando-se Bleed Air.
8. Monitore a Exhaust Gas Temperature (EGT): Devido ao acúmulo de detritos no interior do motor, pode ocorrer rápido aumento de EGT, atingindo os limites operacionais. A tripulação não deve permitir que isso ocorra (o EEC do 737NG só previne que esses limites sejam excedidos em partidas no solo). Efetue o shutdown do motor e tente novo procedimento se o motor não acelerar ou se aproximar dos limites de EGT.
9. Monitore airspeed e pitch: Como pitots e tomadas estáticas pode estar obstruídos, as indicações de velocidade podem tornar-se não confiáveis. Nesse caso, siga o procedimento de AIRSPEED UNRELIABLE.

Recomendações em Solo
Operações em aeroportos contaminados por cinzas vulcânicas devem ser evitadas. Se a operação for necessária realmente, as seguintes recomendações devem ser adotadas:
- Se necessário o pernoite em aeroporto contaminado, motores e sistema pitot/estático devem ser protegidos por capas adequadas;
- Atenção à limpeza da aeronave antes do vôo, pois as cinzas podem contaminar peças lubrificadas, penetrar selos, motores, sistemas, probes, e todos os outros orifícios da aeronave;
- Antes da partida, gire os motores com o starter por 2 minutos (aguarde 5 minutos para a partida, devido à limitação de tempo do starter);
- Não acione wipers para remoção de poeira dos pára-brisas, pois as partículas riscarão o vidro;
- Em solo, use APU apenas para engine starts. Não use APU para ar-condicionado e/ou energia elétrica. Se possível, use fonte pneumática externa para acionar os motores;
- Mantenha as Engine Bleed Valves fechadas durante o táxi;
- Evite potência acima de Idle durante o táxi. Para iniciar o movimento, avance as manetes suavemente. Evite curvas fechadas, pois elas exigem maior potência;
- Se possível, use a técnica de rolling takeoff;
- Para efeitos de performance de decolagem/pouso, considere a pista como WET (em caso de cinzas secas) ou como SLUSH CONTAMINATED (em caso de cinzas molhadas). A eficiência de frenagem será prejudicada pela camada de cinzas sobre a pista.

Referências utilizadas:
- Jeppesen Airway Manual;
- FSM (GOL/VRG), FCTM, FCOM, QRH (737-300 e NG);
- Boeing Aero Magazine:
www.boeing.com/commercial/aeromagazine/aero_09/volcanic.html
- Airbus FOBN 01 SEP 2006;
- Artigo: 747 Encounter with a volcanic ash cloud, by Carl Tenning;
- Artigo: Jet lands safely after engines stop in flight through volcanicash, by Richard Witkin.

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