Já falamos algumas vezes que a falta de
conhecimento da teoria aerodinâmica pode nos colocar em situações extremamente
perigosas em voo e, dependendo da situação que coloquemos a aeronave, o que
deveria ser apenas uma manobra simples pode se tornar um grande desespero para o comandante.
Curvas grandes ou acentuadas. Taí um bom exemplo
para ser explorado para fazer valer a afirmação do parágrafo anterior. São
manobras que exploram o arrojo do piloto e que dão uma boa mão para domar sua
aeronave. Pode não parecer, mas este tipo de exercício fornece excelentes
indícios para um bom observador sobre qual o nível de habilidade de um piloto.
Sem querer desprezar as curvas pequenas, o que
realmente conta para identificar o “pé-e-mão” de um piloto são as curvas que
têm inclinação lateral superiores a 45 graus. Um bom treinamento destes tipos
de curva poderá livrá-lo de enrascadas, principalmente nas situações de
emergência, quando no afã de se salvar do acidente, o piloto tentará utilizar
todos os recursos disponíveis e cada experiência adicional incorporada à rotina
de voo aumentará suas chances de sobreviver.
O que me fez realmente escrever esta matéria
foram os vários acidentes decorrentes da tentativa de retorno à pista numa
emergência após a decolagem. Com certeza estes pilotos desconheciam a relação
existente entre a inclinação e o correspondente aumento da velocidade de estol.
Fato: Fazer uma "curva de grande" pode resultar em
um estol!!!
Isso está claro, não? Mas de que maneira o
aumento da inclinação pode influenciar minha sustentação de voo?
Tudo começa com a tendência da aeronave a
permanecer no seu movimento original (Lei de Newton). Quando um avião entra em
curva, toda a sua massa se contrapõe de tal forma a manter sua direção
original. É por isso que durante grandes curvas você se sente forçado para
baixo no assento.
Essa é a chamada força G que tem relação com a
força gravitacional com que seu corpo é puxado para Terra.
Mais abaixo será apresentado um gráfico que representa o
aumento na força G para uma
determinada inclinação da aeronave.
Vamos supor que você pretenda fazer uma
curva de 60 graus de inclinação. Você precisará gerar uma força de 2G para manter seu voo sustentado e nivelado, ou seja, você
sentira seu peso dobrado durante esta manobra.
Assim, de acordo com o conceito acima, podemos
concluir que dependendo do grau de inclinação da asa, deverá ser comandado uma
pressão maior no manche no sentido de cabrar a fim de compensar a falta de
sustentação ocasionada pela decomposição do vetor de sustentação.
Observe na figura abaixo como funciona na
prática a redução da decomposição do vetor de sustentação quando a aeronave
entra em curva. Observe que quanto mais a aeronave inclina, menor a resultante
da decomposição da
sustentação (colchete em vermelho).
Para manter um voo nivelado, a
força de sustentação deve ser igual ao peso. Assim quanto maior a inclinação,
maior deverá ser a força de cabrar para gerar uma sustentação maior para se
equilibrar em força ao peso da aeronave (que nunca se altera). Repare que este
procedimento implica num aumento do ângulo de ataque e aí teremos outro
problema...
Estolar a aeronave!!!
Repare! Se você fizer uma curva muito acentuada,
o avião poderá atingir seu ângulo de ataque crítico antes de produzir força de
sustentação suficiente para o vôo. Se isto acontecer certamente sua aeronave
entrará em estol. Se estiver voando em grandes altitudes basta ceder um pouco o
manche para sair desta situação, ou ainda aplicar maior potência nos motores
para ficar acima da velocidade de estol. Mas se estiver muito próximo do chão e
sem potência disponível, suas chances serão remotas e você estará muito próximo
de uma enrascada.
Mas existe outro fator que muita gente
desconhece que é o aumento da velocidade de estol quando em curva.
Isso mesmo!!! Aumento de velocidade de estol
quando estiver em curva!!! Aquela frase decorada “A velocidade de estol da
minha aeronave é de xxKT”, não se aplica quando a aeronave é colocada em
grandes inclinações.
Repare no gráfico abaixo e tire suas
conclusões!!!
No exemplo acima podemos observar que para
uma inclinação de 60 graus a nossa velocidade de estol aumenta em 40%. Imagine
então que sua velocidade de estol em situação normal seja de 70KT. Numa
eventual manobra de inclinação de 60 graus elevará sua velocidade de estol para
98KT.
A título de reforço deste conceito acima, veja o que prevê o AFM (Airplane Flight Manual) da aeronave Phenom 100.
Pois é justamente este conceito que muita gente,
por puro desconhecimento, acaba negligenciando e comanda inadvertidamente sua aeronave
para uma situação crítica com sérias consequências, mas o pior de tudo, sem entender como isto
foi acontecer...
Imagine então que você acaba de decolar com seu
Sêneca e sofre uma parada de motor...
Apesar de termos estudado desde nosso PP que no
caso de pane após a decolagem devemos procurar algum local numa referência de
45 graus para os dois lados, há quem tente, por instinto desesperado, retornar
para a pista de onde acabou de decolar.
O piloto olha para o velocímetro e nota que está
com velocidade acima da velocidade de estol e decide entrar em curva para
tentar seu retorno sem se dar conta das duas lições que aprendemos hoje.
1 – Com a inclinação eu devo aumentar meu ângulo
de ataque e minha carga G para ter uma sustentação adequada;
2 – Com o aumento da carga G e sem potência
adicional disponível, a velocidade da aeronave diminui; e
3 – Minha velocidade de estol vai aumentar
significativamente com o aumento da inclinação.
Assim, basta que a velocidade de estol aumente e a velocidade no
ar diminua o suficiente para que as duas se encontrarem e então você entrará
num estol e será difícil recuperar o descontrole gerado.
Via de regra, a tentativa de retorno à pista se mostra a mais
inadequada para este tipo de emergência. E observe que estamos falando apenas
sobre o aspecto da inclinação da aeronave, pois se combinarmos fatores como
peso da aeronave, temperatura, densidade e pressão, a gravidade da situação
pode ser aumentada exageradamente.
Como você já deve ter percebido, esta matéria
tem por objetivo alertar os pilotos de aeronaves onde a potência disponível é
reduzida para compensar os efeitos de se voar em curva, principalmente em se tratando
de aeronaves convencionais, pois na maioria
dos casos, o aumento na velocidade, ajuda a evitar um estol. É claro que se o
avião não tiver um motor potente, talvez não consiga produzir o empuxo
necessário para manter a velocidade alta a fim de evitar um estol durante uma
curva acentuada.
Assim lembre-se, caso não haja potência
suficiente, você não poderá sair por aí fazendo curvas acentuadas à baixa altura.
Vamos explicar de outra forma...
Suponha que você tenha entrado com sua aeronave
convencional em uma inclinação lateral de 45 graus e adicionado potência total
para manter a velocidade no ar. Pronto!!! Você estará em curva nivelada,
coordenada e sustentada.
Daí você resolve fazer uma curva realmente
acentuada e inclina para 60 graus. Nesse ângulo de inclinação lateral, sua
velocidade de estol aumenta de 50 para 70 nós (lembre-se do aumento de 40%). A
pergunta é: “Você tem potência suficiente para manter a velocidade no ar acima
de 70 nós em uma curva com inclinação lateral de 60 graus?”. A única forma de
descobrir é tentar e experimentar isso a uma altitude segura. Quando você faz
essa experiência, descobre que a velocidade no ar diminui, mesmo com potência
total. Por quê? Porque aviões pequenos não têm potência extra para superar o
enorme aumento no arrasto associado ao aumento necessário no ângulo de ataque.
Este conceito pouco difundido é que coloca seus
comandantes em sérias enrascadas.
Voltemos
finalmente à emergência após a
decolagem. Ao manobrar para tentar um retorno à pista, uma grande
inclinação é
comandada para se alinhar à pista. Logo após identificar a emergência o
piloto aplica a potência máxima na aeronave, portanto não tem mais nada
disponível.
Então depois de iniciar a inclinação para o
retorno à pista ele percebe que sua velocidade aerodinâmica começa a baixar,
devido à grande inclinação lateral. Durante uma curva acentuada, a velocidade
de estol aumenta por causa do aumento da força G e a velocidade no ar diminui
por causa do aumento do arrasto. Quando a velocidade no ar e a velocidade de
estol se encontram, o avião entra em estol e dependendo da altitude as
consequências podem ser fatais.
Como
última recomendação, pratique em grandes
altitudes exercícios que reproduzam estes momentos críticos, de tal
forma que te capacitem a tomar decisões sempre mais adequadas, a fim de
preservar o bem de maior valor para você...
Sua vida!!!
Sergio Koch - TCel Av R/R
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